Entre fechamentos e aberturas, o ecossistema jornalístico no Sul se movimenta

A sétima edição do Atlas da Notícia identificou tendências contraditórias no Sul do Brasil. Embora haja um cenário de crescimento do número de veículos, inclusive do número de iniciativas online, há também números relevantes de fechamentos de veículos, incluindo os digitais. A migração de iniciativas para redes sociais permanece, enquanto o rádio e o online solidificam sua presença. O levantamento identificou também uma diminuição nos desertos de notícias. Confira alguns dos destaques das transformações no jornalismo no Sul do Brasil.
As equipes de voluntários registraram o fechamento de 501 veículos na região Sul, a maior parte (47%) de veículos impressos. Esses foram aqueles que os voluntários do Atlas verificaram que não funcionam mais, estão desatualizados ou pararam de circular. Isso não significa que essas iniciativas tenham fechado durante este último ano, mas que o levantamento identificou sua inatividade agora. Como muitos veículos somem sem deixar rastros, por vezes é difícil identificar quando exatamente ocorreu o encerramento das atividades. Os veículos impressos são aqueles que mais concentram os problemas de sustentabilidade do jornalismo, devido aos altos custos, e à queda no valor da publicidade. No entanto, chama a atenção que o segundo segmento com mais fechamentos foi online, com 176. Isto demonstra que o mercado se engajou muito na criação de iniciativas online, muitas vezes sem conseguir estabelecer planos de sustentabilidade. Veículos digitais notoriamente necessitam de menos infraestrutura para abrir, mas também podem fechar tão rapidamente quanto.
Um outro fator relacionado está na pressão sofrida por veículos locais para utilizarem grandes plataformas como sua infraestrutura. Um padrão frequente no interior é o das organizações que abandonam canais próprios, como sites, para atualizar apenas páginas em redes sociais. É o caso, por exemplo, do CVT News, de Teutônia, RS, que abandonou sua página para focar apenas no Facebook. Há ainda o desafio de permanecer na plataforma mais popular do momento. O Portal de Notícias Urupema, da cidade homônima de Santa Catarina, existia apenas como página no Facebook, que acabou abandonando em prol de uma conta no Instagram. Isto demonstra a pressão que estas iniciativas recebem, e cuja migração acaba gerando uma perda de todo o histórico de publicação, além do relacionamento com a audiência. Sobre rede social, inclusive, se notou durante a pesquisa um aumento na quantidade de veículos que possuem contas no TikTok, embora o Atlas não monitore especificamente esse número. Esta tende a ser a próxima rede a ser adotada em massa pelos veículos, mesmo que a tendência ainda esteja visível mais nas iniciativas maiores e um pouco mais estruturadas. No entanto, há uma dificuldade atrelada: uma ruptura na linguagem frente às outras redes sociais utilizadas antes pelos veículos.
Desertos diminuem
A região Sul concentra 457 desertos de notícia, que representam 38% dos municípios da região. Ao mesmo tempo, esses municípios reúnem 2,16 milhões de pessoas, ou metade da população da região metropolitana de Porto Alegre. Na divisão por estado, a unidade federativa do Sul com mais desertos é o Rio Grande do Sul, com 180 municípios nesta categoria. No entanto, proporcionalmente, eles são mais frequentes no Paraná: 41,8% dos municípios paranaenses não possuem nenhum veículo jornalístico cadastrado no Atlas. A proporção de RS e SC gira em torno de 36%.
Ainda assim, conforme o aperfeiçoamento dos métodos de coleta do Atlas e a própria movimentação do mercado jornalístico, os três estados tiveram diminuição no número de desertos, ou seja, cidades em que antes não se visualizava veículo jornalístico, mas onde agora se consegue. O caso mais contundente é o do Rio Grande do Sul, em que 24 municípios deixaram de ser desertos de notícias. No total, esta é a situação de 56 municípios na região, que concentram 403 mil pessoas. Por outro lado, outros 10 municípios se tornaram desertos, por conta do fechamento de iniciativas locais. Eles se dividem entre Paraná (sete veículos) e Rio Grande do Sul (três).
Online e rádio lideram
Seguindo a tendência de outras edições, os segmentos mais frequentes são online e rádio. Historicamente, o rádio têm uma penetração muito grande na região Sul, especialmente em comunidades mais distantes. De fato, hoje o Sul apresenta mais emissoras do que as regiões Centro Oeste e Norte somadas, com um número total bem próximo ao sudeste, que possui uma população muito maior. Ultimamente, no entanto, o rádio tem sido superado em volume pelos veículos online, que já perfazem 1.395, enquanto as emissoras totalizam 1.334 iniciativas. Isso se deve também ao fato de muitas rádios terem assumido uma postura informativa online, caracterizando-as também como veículo digital, como é o caso da rádio Clube 88.5FM, de São João Batista, em Santa Catarina, com uma presença sólida online. Já o impresso segue em trajetória descendente, com uma queda de 15% frente à quantidade identificada na sexta edição do Atlas. Ainda há uma dificuldade inerente de identificação. Como uma parte desses veículos não possui presença online, avaliar sua continuidade se torna cada vez mais difícil. Já as organizações noticiosas com publicação online cresceram 8% frente à última edição do Atlas.
O cenário de queda do impresso é consistente nos três estados. O Rio Grande do Sul foi o que apresentou a maior diminuição, com 64 organizações a menos. Ao mesmo tempo, o Paraná, repetindo características de outros levantamentos, é o que mais apresenta organizações jornalísticas online: 587, uma diferença de 135 frente ao Rio Grande do Sul, segundo colocado. O Paraná apresentou um aumento de 9% nas iniciativas online, que vem após um aumento de 18% entre a quinta e a sexta edição do Atlas. Essa diminuição no crescimento de iniciativas jornalísticas paranaenses online era esperada, mas ainda sim demonstra que há espaço para crescer. Um crescimento parecido (10%) foi identificado nas iniciativas online de Santa Catarina.
O Rio Grande do Sul segue sendo, por larga margem, o estado com mais emissoras de rádio (588) da região Sul, e, na verdade, é a segunda UF do Brasil com mais emissoras, atrás apenas de São Paulo, com 670. De fato, o estado possui mais emissoras do que veículos online (40% do total, frente a 31% online), o que reverte a tendência nacional de dominação do online. Já o destaque do Paraná quanto a veículos online permanece no cenário nacional: é a segunda UF com mais iniciativas deste segmento.
Mesmo assim, contando todas as mídias, o Rio Grande do Sul apresenta o maior número de veículos da região, com 1448, seguido pelo Paraná, com 1330, mesmo que este último tenha uma população ligeiramente maior. Comparando com outras regiões, o Sul é a segunda com mais veículos, atrás apenas do sudeste. Os três estados, somados, concentram um quarto das iniciativas jornalísticas brasileiras, mesmo que tenham apenas 15% da população.
No total, participaram do levantamento de dados no Sul do Brasil equipes de 16 instituições de ensino superior. São elas:
Paraná
Pontifícia Universidade Católica do Paraná - PUCPR
Universidade Estadual de Ponta Grossa - UEPG
Universidade Federal do Paraná - UFPR
Universidade Positivo - UP
Rio Grande do Sul
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul
Universidade de Santa Cruz do Sul - Unisc
Universidade Federal do Pampa - Unipampa
Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS
Universidade Federal de Santa Maria - UFSM
Universidade do Vale do Rio do Sinos - Unisinos
Santa Catarina
Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC
Associacao Educacional Luterana Bom Jesus - Ielusc
Universidade Regional de Blumenau - FURB
Sociedade de Assistência aos Trabalhadores do Carvão - SATC
Universidade Comunitária da Região de Chapecó - Unochapecó
Universidade do Planalto Catarinense - Uniplac
Marcelo Crispim da Fontoura. Coordenador do Atlas da Notícia na região Sul. Professor de jornalismo de dados e estudos de desinformação na PUCRS. Doutor em Comunicação.