O rádio resiste e domina: Centro-Oeste é a única região onde esse meio é maioria entre os veículos jornalísticos

Em tempos de transformação digital acelerada e de consolidação de plataformas online como canais predominantes de informação, o Centro-Oeste brasileiro segue uma lógica peculiar no ecossistema jornalístico nacional. Ao contrário do que se observa nas demais regiões do país, onde os sites de notícias são maioria entre os veículos mapeados, o rádio ainda detém a liderança em número de iniciativas jornalísticas na região.
Das 1.986 iniciativas jornalísticas identificadas na região Centro-Oeste, nesta sétima edição do Atlas da Notícia, 746 são emissoras de rádio, seguidas por 662 veículos online, 368 jornais impressos e 210 emissoras de televisão. Esse predomínio do rádio, ausente em outras regiões, aponta não apenas para uma permanência histórica do meio em áreas interiorizadas, como também levanta questões sobre o acesso, a capilaridade da informação, e o perfil do público que ainda se informa majoritariamente por ondas sonoras.
Veículos do Centro-Oeste por segmento e UF
UF | Impresso | Online | Rádio | Televisão |
---|---|---|---|---|
Distrito Federal | 73 | 111 | 42 | 21 |
Goiás | 131 | 111 | 294 | 41 |
Mato Grosso | 92 | 237 | 243 | 128 |
Mato Grosso do Sul | 72 | 203 | 167 | 20 |
A predominância do rádio no Centro-Oeste pode ser justificada por múltiplos fatores. A amplitude territorial, a baixa densidade populacional em muitos municípios e a infraestrutura precária de internet em regiões mais remotas ajudam a explicar a permanência e a relevância das emissoras locais. Além disso, há uma dimensão cultural significativa: o rádio está presente nas rotinas rurais, nos deslocamentos diários, nas feiras e nos lares. Ele resiste como uma tecnologia de baixo custo, acessível e com forte enraizamento social. Essa realidade contrasta com as demais regiões brasileiras, onde o crescimento dos veículos online não apenas ultrapassou os demais segmentos como passou a ditar as dinâmicas do mercado.
Outro fator que precisa ser destacado é a presença dos jornais impressos, ainda expressiva na região: 368 publicações foram mapeadas, número que coloca o impresso à frente da televisão e que mostra que, apesar do encolhimento nacional, esse segmento resiste em determinadas cidades. Jornais regionais continuam cumprindo funções importantes como o registro de acontecimentos locais, a prestação de contas de gestores públicos e a circulação de editais e informações oficiais.
Por sua vez, o segmento televisivo, com 210 iniciativas, permanece relevante em cidades-polo, especialmente nas capitais e em municípios com maior densidade populacional.
A instabilidade do jornalismo online no Centro-Oeste
Mesmo com o protagonismo do rádio no Centro-Oeste, os dados indicam uma transformação em curso. O segmento online já é o segundo mais representativo na região e apresenta uma dinâmica intensa de surgimento e encerramento de iniciativas, especialmente nos períodos que antecedem e sucedem as eleições municipais.
Essa efervescência dos sites de notícias, no entanto, vem acompanhada de instabilidade. Ainda que sejam mais fáceis de criar, demandando menos estrutura física e investimento inicial, muitos desses projetos enfrentam sérias dificuldades de sustentabilidade. É comum que iniciativas online surjam em função de interesses eleitorais locais, operando de forma quase improvisada por alguns meses, para depois desaparecer do radar, deixando para trás domínios desativados e páginas desatualizadas.
Esse cenário se reflete nos dados mais recentes do Atlas da Notícia. Nos últimos anos, o número de sites que encerraram suas atividades superou o de jornais impressos, contrariando a expectativa que domina tanto os debates acadêmicos quanto os fóruns de mercado, onde o discurso hegemônico aponta a crise do impresso como principal evidência da fragilidade do jornalismo contemporâneo. No entanto, o que os números da região Centro-Oeste revelam é que a instabilidade do jornalismo online local também precisa ser levada a sério, especialmente em um contexto onde site de notícias é, para muitos municípios, a única possibilidade de diversificação de vozes e de pluralidade informativa. Somente nesta edição do Atlas da Notícia, foram registrados 166 fechamentos de sites de notícias no Centro-Oeste.
Essa volatilidade no segmento online é um alerta. Ela mostra que, apesar da sua flexibilidade e baixo custo inicial, o jornalismo na internet requer planejamento, estrutura, financiamento e vínculos reais com a comunidade que se pretende informar. A ausência de políticas públicas de fomento, a dificuldade de acesso a recursos privados, os baixos índices de letramento digital em certas áreas e a própria precarização das relações de trabalho no setor contribuem para um ciclo de abre-fecha que compromete a construção de um ecossistema jornalístico.
Centro-Oeste tem a menor porcentagem de desertos de notícias
A redução do número de desertos e quase desertos de notícias na região Centro-Oeste indica avanços importantes. Em comparação com a edição anterior do Atlas, houve queda tanto no número de municípios completamente sem veículos jornalísticos, os chamados desertos, quanto naqueles com cobertura mínima, os quase desertos. Em 2023, eram 142 desertos e 182 quase desertos. Em 2025, esses números caíram para 134 e 125, respectivamente. Ainda assim, dos 467 municípios da região, mais da metade segue em situação de vulnerabilidade informativa.
Com base nos dados mais recentes do Atlas da Notícia, dez municípios da região Centro-Oeste deixaram a condição de deserto de notícias. São eles: Pedra Preta e Feliz Natal, no Mato Grosso; Antônio João, Coronel Sapucaia e Novo Horizonte do Sul, no Mato Grosso do Sul; Cavalcante, Goiandira, Petrolina de Goiás, Portelândia e Professor Jamil, em Goiás. Esses territórios passaram a contar com pelo menos um veículo jornalístico ativo, o que indica movimentações positivas no ecossistema de mídia regional. Por outro lado, quatro municípios passaram a ser classificados como desertos nesta edição: Acorizal, Itiquira e Santo Antônio do Leste, no Mato Grosso, e Ouro Verde de Goiás, em Goiás.
Cidades e desertos por região
Região | Quantidade de cidades | Quantidade de desertos | Proporção |
---|---|---|---|
Centro-Oeste | 467 | 134 | 28,69% |
Nordeste | 1794 | 890 | 49,61% |
Norte | 450 | 193 | 42,89% |
Sudeste | 1668 | 830 | 49,76% |
Sul | 1191 | 457 | 38,37% |
A redução no número de desertos informativos pode ser atribuída, em parte, à ampliação do alcance de rádios comunitárias e à interiorização de pequenos projetos jornalísticos. Esses dados revelam o esforço contínuo de jornalistas e comunicadores em desenvolver alternativas viáveis e socialmente relevantes em seus territórios, mesmo diante de condições estruturais adversas e da escassez de apoio institucional.
Os dados reunidos pelo Atlas da Notícia na região Centro-Oeste reafirmam a necessidade de políticas públicas de apoio à diversidade de meios e de incentivo à sustentabilidade de iniciativas locais. O fortalecimento do jornalismo, especialmente fora dos grandes centros, passa por reconhecer o papel essencial dos veículos de pequeno porte e das mídias independentes no combate à desinformação, na promoção da transparência e na ampliação das vozes sociais representadas. Em um país marcado por desigualdades históricas, garantir o direito à informação de qualidade em todos os territórios é tarefa urgente e estratégica para o fortalecimento da democracia.
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O Atlas da Notícia está na sétima edição e sempre teve a colaboração de voluntários para construir uma base de dados aberta e representativa do jornalismo brasileiro. Essas informações são utilizadas para subsidiar estudos, novas pesquisas e análises. O objetivo é contribuir com iniciativas, ideias e soluções que busquem fomentar o jornalismo, especialmente no nível local.
A sétima edição do Atlas da Notícia teve o apoio das seguintes instituições na região Centro-Oeste:
Universidade de Brasília (UnB)
Universidade do Estado de Mato Grosso (Unemat)
Universidade Federal de Goiás (UFG)
Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS)
Universidade para o Desenvolvimento do Estado e da Região do Pantanal (Uniderp)
Para consultar os dados do Atlas da Notícia, clique aqui.
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Angela Werdemberg é jornalista, mestra em comunicação. Coordenadora do Atlas da Notícia na região Centro-Oeste, consultora especializada em comunicação e mobilização social na Unesco e professora na Universidade para o Desenvolvimento do Estado e da Região do Pantanal (Uniderp).