Desertos de notícias e as novas fronteiras do jornalismo no Nordeste

Desertos de notícias e as novas fronteiras do jornalismo no Nordeste
Arte por Méuri Elle

  • Desertos de notícias encolheram 9% no Nordeste;
  • Mais de 80% das iniciativas mapeadas são veículos online e rádios;
  • 56,74% dos municípios nordestinos são vazios noticiosos;
  • Mais de 70% dos municípios do PI e RN não têm cobertura jornalística local;
  • PE teve maior redução de desertos de notícias da região

Mais de 80% dos veículos mapeados pelo Atlas da Notícia no Nordeste são nativos digitais ou rádios. Em sua sexta edição, a pesquisa aponta queda de 9% na proporção de desertos de notícias da região, no comparativo com o levantamento anterior. Ao todo, 87 municípios nordestinos deixaram de ser classificados como lugares sem cobertura jornalística local. O resultado está relacionado sobretudo ao surgimento de iniciativas online e às rádios comunitárias.

A pesquisa mapeou 2.728 veículos jornalísticos em atividade no Nordeste e 11 que encerraram suas atividades. Todos os fechamentos foram de iniciativas digitais, como blogs e portais de notícias. Com a maior quantidade de estados do Brasil, a região apresenta também maior proporção de desertos de notícias – 56,74% dos municípios.

Dos nove estados nordestinos, o Piauí e o Rio Grande do Norte registram os maiores vazios noticiosos. Em mais de 70% dos municípios desses estados, as pessoas não têm acesso a notícias locais produzidas por veículos dos seus territórios. A lista de desertos de notícias de Alagoas ganhou mais um município: Batalha, na região agreste do estado.

Bahia, Ceará e Pernambuco são, proporcionalmente, os estados com menos desertos de notícias. Somente na Bahia, o Atlas mapeou 830 veículos, sendo 274 rádios, 449 online, 76 impressos e 31 TVs. As capitais dos estados concentram mais meios jornalísticos do que as cidades do interior, com destaque para São Luís (MA), onde foram mapeados 127 veículos.

A maior redução de vazios noticiosos foi verificada em Pernambuco, onde 35 municípios deixaram essa classificação. Flores, no Sertão pernambucano, é um exemplo. Entre os dois blogs identificados na cidade de aproximadamente 22 mil habitantes, o Blog Benjamin Leite faz uma cobertura local, mas que também informa sobre fatos que ocorrem pelo Brasil e pelo mundo.

É importante explicar que a redução dos desertos de notícias se dá tanto pelo surgimento de novas iniciativas jornalísticas como pela ampliação do alcance do censo realizado pelo Atlas. Também que as populações dos desertos consomem notícias.

Há muitas cidades pequenas que são cobertas por veículos de locais vizinhos. Mas sem a cobertura jornalística no próprio território, o acesso a conteúdos qualificados e críticos sobre ações do poder público local, por exemplo, quase sempre fica comprometido. Esse vácuo informativo também torna as populações dos desertos de notícias mais vulneráveis a notícias falsas.

estado Nº desertos proporção de desertos*
PI 171 76,3%
RN 128 76,6%
PB 138 61,9%
AL 62 60,7%
MA 125 57,6%
SE 42 56,0%
PE 93 50,3%
CE 84 45,7%
BA 174 41,7%
*Sobre total de municípios no estado

Novos contornos do jornalismo local

Enquanto navegam nas oportunidades e desafios das plataformas, os nativos digitais reconfiguram o jornalismo local. Muitas iniciativas mapeadas não têm site. São páginas de notícias nas redes sociais, como Adielson Galvão no face, que faz uma cobertura policial de Caruaru (PE) e região, com transmissões de vídeos ao vivo pelo Facebook.

Boa parte das páginas noticiosas nas redes sociais mapeadas pelo Atlas produzem notícias com pouca apuração. São textos curtos, ancorados por vídeos e/ou fotos que informam sobre acidentes nas estradas da região, ocorrências policiais, programações culturais e política local.

Alguns oferecem canais diretos de diálogo com a audiência, como grupos no WhatsApp, onde a comunidade pode fazer denúncias. Os anúncios pagos por empresas e pelos governos da região são as fontes de renda mais recorrentes. Esse é um modelo que facilita a captura dos conteúdos por interesses privados e políticos, mas que também é adotado por jornais de alcance nacional.

Rádios comunitárias e iniciativas independentes

Desde o levantamento publicado em 2022, rádios comunitárias com programas de notícias na grade passaram a ser classificadas como veículos jornalísticos na pesquisa do Atlas. Antes, esses veículos eram mapeados, mas registrados como não jornalísticos. Essa atualização possibilitou uma nova compreensão do ambiente de notícias no Nordeste, onde as rádios comunitárias cumprem um papel informativo relevante, sobretudo em municípios menores e regiões periféricas, tradicionalmente esquecidas pela grande mídia.

A FM Sertaneja é uma rádio comunitária de Feira Nova, Sergipe. A emissora do médio sertão sergipano transmite notícias do município e da região, tanto na FM como via rádio web. A grade inclui programas como a Voz da Cidadania, que vai ao ar todas as manhãs com entrevistas e notícias da cena política local. Outro exemplo é a rádio Coribe FM, em Coribe (BA), que tem entrevistas e notícias na programação.

Entre os nativos digitais, o ecossistema de veículos jornalísticos independentes nordestinos, indicado em edições anteriores como tendência consolidada, continua se expandindo. Novos podcasts e sites foram incorporados à base de dados, a exemplo da agência Mangue Jornalismo de jornalismo independente e investigativo, criada em abril de 2023, em Sergipe. A iniciativa pertence ao Centro de Estudos em Jornalismo e Cultura Cirigype, uma associação sem fins lucrativos.

As iniciativas de jornalismo independente no Nordeste estão cada vez mais segmentadas. Há veículos focados em questões raciais, gênero, esportes, meio ambiente e outros temas. Com a crise dos grandes conglomerados de comunicação, essas organizações têm assumido o protagonismo no noticiário local, pautando o debate público e os grandes jornais. Mas a sustentabilidade financeira continua sendo um desafio, uma vez que o acesso a recursos e financiamentos para o jornalismo não são distribuídos de forma igualitária pelas regiões do país.

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A pesquisa da sexta edição do Atlas da Notícia é resultado do esforço coletivo e voluntário de uma rede de estudantes e de professores de universidades nordestinas. Nossos agradecimentos aos que colaboraram com a pesquisa no Nordeste.Participaram os seguintes alunos, estagiários e voluntários: Ravi Sousa; Lourice Rocha; Jayanne Rodrigues; Elenir Castro;Marta Alencar;Cleide Santos;Clara Teles;Alicy Beatriz Teixeira;Joassan Trajano Lima;Juliane Milhomem;Ana Carolina Izidoro;Caio Queiroz;Iana Marcelly Silva;Milânia Ribeiro dos Santos;Carla Maurina dos Santos Soares;Ronicleiton Paixão dos Santos;Fernanda Spínola de Almeida;Lílian Dias;Rebeca Knapp; Vinícius Aciole; Wendal Carmo;Sofia de Cerqueira Gunes Oliveira;Kaylane da Silva Freire; Mariana Bueno;Caio Mendonça Cysne; Ana Rejane Marinho dos Santos; Ana Vitória Fontenele de Vasconcelos; Luís Otávio Maia de Paiva Filho; Francisco Jonathan Viana Pereira; Rodrigo Gomes Machado; Anna Lia De Carli da Fonseca; Maria Thaisy Santana Santa Rosa; Lindemberg Bernardo Silva; Andressa Siqueira Monte; Gabriela Nascimento Oliveira; Edilaine da Rocha Cruz; Rosiene Aguiar Santos; Mariana Oliveira Santos; Raquel Soares Pereira; Jenifer da Silva Vital; Yasmin Luene Silva Pina; Lívia Borges dos Santos; Isabela Sena Santos; Gabriela Silva Chaves; Carmen Regina de Oliveira Carvalho.Docentes: Kamila Bossato; Sonia Aguiar Lopes; Marta Alencar; Ivanise Hilbig de Andrade; Carmen Carvalho.Instituições: Universidade Federal do Ceará; Universidade Federal da Bahia; Universidade Federal de Sergipe; Universidade Federal do Maranhão; Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia.

Mariama Correia (Pesquisadora - Nordeste) é jornalista e atua como editora da Agência Pública. É cofundadora da Cajueira e conselheira editorial do O Joio e O Trigo.